segunda-feira, março 31, 2003  

"Se o mormonismo conseguir sobreviver sem sofrer modificações até chegar à terceira e quarta gerações, ele está destinado a tornar-se a maior potência que o mundo já conheceu"
Tolstoi


Eu morava em um minúsculo estúdio, numa cidade universitária entre a Suíça alemã e a francesa. Foi onde voltei a beber, depois de uns 3 anos sem uma gota de álcool honrar meu fígado. Onde melhor recalculei memórias e traumas e conclui que não havia muita ou nenhuma diferença entre as duas.

Depois de comer um prato de espaguete ao pesto - prato do dia por todos os meses em que lá permaneci – fumei um cigarro e descansei um pouco. No meio da digestão ainda estava deitado mas o senhor cacete levantou-se involuntariamente. Quando acontece, e há tempo e espaço, nada mais íntegro que ajudá-lo a descansar, através do cansaço. A atividade que me tomaria os próximos minutos seria, então, uma punheta.

Uma como qualquer outra até os últimos momentos. Justamente quando os filhotes se espalhavam pela água da privada e os espasmos diminuiam gradativamente a maldita campainha tangeu duas vezes. Eu não conhecia ninguém naquele lugar senão o concierge lusitano. Tratei de guardar meu amigo em descenção e me encaminhar à porta. Entreaberta, já podia vislumbrar a silhueta de duas pessoas

No final da breia da porta, as duas figuras revelaram-se. Dois jovens, com calças azul-marinho, blusas sociais brancas engomadas onde se deitavam gravatas monocromáticas e pastas penduradas nos ombros. Isso mais o crachá e o sorriso denunciava-os – mórmons.

Se convidaram para entrar, e tendo em vista que eu já tinham quebrado la clé d’or da minha atividade anterior e que não haviam planos para outra atividade, aceitei-os em minha humilde morada.

A princípio deixei a conversa acontecer naturalmente como que em qualquer pregação e/ou tentativa de conversão. A perguntas como "você tem religião", dava respostas que os encorajasse, a outras tipo "o que você acha de Deus" preferia deixar certa confusão – eu queria que eles se empenhassem na tarefa. Mas então me apresentaram “o homem”.

“O Homem” é o responsável pela religião. Seu testemunho é a base da Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias. O suposto profeta Joseph Smith teria se encontrado com Deus himself e o J.C. Dessa “visão” vieram os primeiros passos da religião. De uma outra, onde encontrou-se com um anjo que o guiou até um conjunto de escritos antigos enterrados, surgiu o livro do mórmon.

Assim que o tal livro foi citado na historinha que a figura me contava, ele me perguntou qual era minha língua natural. Respondi e ele perguntou se de Portugal ou do Brasil. Mais uma resposta e ele rapidamente desliza o zíper da pastinha dele, abre o suficiente para seus olhos e alguns segundos depois saca um livro como se arrancasse excalibur da pedra, com triunfo nos olhos. Ele estende os braços, segurando o livro com as duas mãos e o título virado para mim e me entrega, olhando nos meus olhos e repetindo que aqueles eram os mais recentes dizeres do Pai e do Filho. Em português pleno. Foi onde o pavor começou a tomar conta de mim.

Pediram que eu lesse alguns capítulos específicos e perguntou quando ele poderia voltar para conversarmos sobre as passagens.

A brincadeira tinha ficado séria e eu queria ganhar o livro e nada mais e não queria pagar nada. Se eu tenho alma, não gostaria de correr o risco de gastá-la com imbecis cheios de retórica medíocre. Sem pensar muito respondi que voltaria pro Brasil naquela semana, achando que aquilo seria suficiente pra me livrar deles. Não foi.

Pediram meu endereço no Brasil, assim mandariam outros missionários mórmons me procurar na minha cidade. E ainda disseram que seria ótimo pois poderiam conversar com o resto da minha família.

Por um momento entrei em pânico, pensando que acabara de comprometer não só a minha alma, que não sabia se realmente existia, mas a de toda a família.

A solução veio como um são bernardo e seu barrilzinho de conhaque nos alpes – era só dar o endereço errado. Rua dos Bobos, número 0. Funcionou. Afinal de contas, era uma solução.

Eles finalmente foram embora do apartamento. Com suas falas programadas e seus olhares qasi-convincentes perfurando meus olhos até o fechar da porta. Deixaram o livro que me vigiava e uma paranóia horrível que impossibilitou punhetas por cerca de duas semanas.

Definitivamente, podem se tornar uma grande potência – principalmente se inibição de masturbação fizer parte do plano deles.

Pedro Meyer | 4:15 AM


sexta-feira, março 28, 2003  

Depressões povoam as cabecinhas da família. Pai e mãe principalmente. Rápida e profundamente. Com direito a prozac, valium, lexotan e xanax - entre outros. Acontece algumas vezes, quando os ventos resolvem.

Mas como acredito que é relativamente normal, vamos às outras. Três gerações, três amostras masculinas mesclando lado materno e paterno e sem priorizar psukh em detrimento do phusikós.

Geração I: avô materno

Vítima do alcolismo crônico. Despedido de um alto cargo, em uma grande empresa, por receber remessas diárias de destilados durante o trabalho. Só funcionava com doses devidamente distribuídas pelas horas do dia. Toda hora era hora, todo gole um enorme prazer. Mais pra uma mijada do que pra um desejo de comer lichia com creme de leite - muito mais. Tudo ficou muito claro quando foi descoberto que a figura sofria de Síndrome de Pânico, em um grau grotesco. Os dois, pânico e àlcool, andavam pelas praias de mãos dadas havia muito tempo.

estado atual: "recuperado", tem recaídas esporádicas e acredita estar curado "de ambas". acredita.

Geração II: Pai

Sofreu paralisia infantil quando muito jovem. Superou e driblou nossa amiga morte. Por pouco. Como sequelas físicas, tem-se a perna esquerda bem mais fina que a direita e um mancar discretíssimo. Só se consegue reparar com muitíssima, reitero, muitíssima atenção. Quanto às psicológicas, tornam-se altamente previsíveis tendo a dada informação - uma criança que teve um pé na cova é altamente passível de super-proteção. Nâo jogou futebol, mas aprendeu diversos joguinhos importantíssimos.

estado atual: sem grandes evidências, foi um mestre em contornar tais "contra-tempos". Curiosamente, era amissíssimo do próprio Sabin.

Geração III: Irmão

Hipocondríaco e herdeiro de piripaques de pânico do avô. Cada vez que sofreu de diarréia durante a infância, chorou compulsivamente acreditando piamente que estava com cólera ou outras doenças que descobrira. Ataques de pânico de madrugada eram frequentes, com berros tipo "vou morrer" e "está tudo rodando". Tragicômicamente, sofreu inúmeros acidentes - fraturas espostas no braço, fraturas de costelas, surtos (como pular de uma altura absurda -"sem querer"- e cair de cabeça no chão).

estado atual: engole o vômito e cursa medicina

E me pergunto se os que me restaram, dessas poucas e pequenas amostras até outras complexas, são édipo palaguei e complexo de inferioridade/superioridade.

Pedro Meyer | 3:28 AM


terça-feira, março 25, 2003  

Soldados da Coalizão Anglo-estadunidense mortos, feridos e psicológicamente afetados na Guerra do Iraque

causa-mortis

Engasgados ao ingerir quantidades enormes de areia ao tentarem tornar as rações menos desagradáveis

Pisoteados por cáfilas de camelos refugiados descontrolados

Traumatismo craniano causado por escorregões e consequentes batidas de cabeça nas precárias instalações balneárias do acampamento

Ataque cardíaco resultado de sustos com explosões

Tiros de balas perdidas, principalmente na cabeça e no coração

Afogados em mini-jazidas de petróleo-movediço

Mortos de fome e/ou sede, perdidos no deserto


feridos

Cegueira causada por uso de óculos de visão noturna durante o dia

Sérios distúrbios respiratórios por uso excessivo de máscara de gás

Câncer de pele por exposição excessiva ao sol


distúrbios psicológicos

Depressão por não encontrarem armas químicas e biológicas

Arenofagia manifestada em alguns soldados obesos

Arenofobia causada por exposição frequente à fortes tempestades de areia

Neurose obsessivo-compulsiva , com forte aversão a qualquer tipo de bigode, evidenciada pelas reclamações constantes de sonhos com leões marinhos armados até os dentes.

Dupla personalidade, por se exporem ao mesmo tempo à realidade da guerra e a cobertura da cnn

Pedro Meyer | 12:25 AM


segunda-feira, março 24, 2003  

Era só uma assistência de fotografia nos dois primeiros turnos da última sexta-feira. No entanto, o fato da modelo ser a mesma moça sensação que protagonizou a propaganda na qual se banha de antartica tornava as fotos "especiais", em certos aspectos.

Entre maquiadores, produtoras, assistentes e outros staff, quatro homens atuavam de alguma forma para a conclusão do serviço: O dono da empresa para qual as fotos estavam sendo feitas, o fotógrafo, o outro assistente e moi. Entre os mulos, o ouriçado mesmo era o dono da empresa - que desembolsara um número com 3 zeros para contar com a presença da senhorita. Era a segunda seção de fotos, sendo que a primeira fora realizada no dia anterior.

O Sr. Empresário, em certo momento, desabafava com o fotógrafo:

- Hoje, saindo daqui, tenho que dar uma passeadinha lá na rua ceará antes de ir pra casa...

- Por que ?

- Ah, ontem quase coloquei minha mulher pra fora de casa...

- O que ela aprontou ?

- Ela ? Nada ! O problema foi ficar o dia inteiro vendo essa beldade na minha frente...sabe como é, é rapido, mas a gente acaba acostumando...

- Mas o que aconteceu ?

- Bom, fui chegando em casa e ela veio toda toda - "ei amor, tudo bem ?"...já fui logo respondendo..."TUDO BEM O CARALHO SUA ROLIçA OPORTUNISTA !!! COMO PODE ESTAR TUDO BEM SE VOCÊ FICA A NOITE INTEIRA COM SUAS BANHAS ESPARRAMADAS PELA MINHA CAMA !?"

- Putz, voce falou isso ???

- Falei...mas fui tomar um banho e acalmei. No começo fiquei com raiva dela e do tanto que desperdicei minha vida, mas depois tava tudo oquei - me solidarizei com o choro e tal e tudo voltou ao normal.

- Pô, que bom...mas o que tem a passeadinha na rua ceará com isso ?

- ah, com as mulheres que tem por lá eu já vou acostumando com a feiura - assim não me assusto com a patroa...

- sei...


Claro que achei tosco e escroto, mas, mais uma vez, o cara estava sendo sensato. Como alguém pode falar assim da "companheira" ??? Imagino que daqui a uns 30 anos eu entenda perfeitamente.

Depois dessas e outras o ambiente fica mais íntimo, e embora a moçoila fosse super simpática e dócil, eu tinha que soltar alguma. Foi justamente quando ela deixou escapulir um desabafo, olhando para as próprias prendadíssimas peitas:

- nossa, meu peito tá quase pulando pra fora...

Respondi com celeridade:

- esquenta não sô, se pular, eu seguro !

Pedro Meyer | 3:00 AM


sexta-feira, março 21, 2003  

Sabe quando você tem uma idéia e, no dia seguinte, lê uma reportagem no jornal sobre um asiático lá na terra dele quem teve uma idéia parecidíssima com a sua ?

pois é, o trecho abaixo (retirado daqui) não só prova isso, como levanta a possibilidade que a decisão de tirar (ou mesmo não colocar) comentários não se legitima por princípios e blá-blá-blá - mas por nada mais que uma aspiração "statal" paupérrima.

"Depois da onda de tirar os comentários de seu blog, que conferia um certo status cult aos adeptos, agora parece que o novo hyppe entre os blogueiros é não ter mais blogs."

mas o comentário sensato seria:

- ah tá, entendi...

só não era suficiente para ser um post.

Pedro Meyer | 2:11 AM


terça-feira, março 18, 2003  

Interação com um ex-punk, atual pró-hizbollah:

- e aí pedro, o que que você vai fazer agora ?

- tomar uma coca-cola...

- e patrocinar a guerra americana ???

- quanto mais clara a oportunidade de financiar derramamento de sangue, melhor !

- que isso cara, você é muito nilista...

- eu ???

- é...

- pô, valeu...

Pedro Meyer | 4:54 AM
 

Crescendum Leksikós

A pureza das crianças era admirável. Mas é cada vez menos. Ainda é clara, mas constantemente temperada com relances de maldade abraçada, e não natural. O curioso que me traz a esboçar estas linhas mesmo que em profundo estado de preguiça, é o descobrimento de palavras por estas e a consequente utilização delas (mesmo que só tentativas). O vocabulário infanto vai crescendo gradativamente, como não poderia deixar de ser. Sem dúvida, com influência anafada do ambiente e das figuras ao seu redor.

Na infância acontece naturalmente - uma vez que se trata de palavras utilizadas com uma certa frequência. Outro dia minha irmãzinha percebeu que na maior parte das vezes que ela não podia fazer algo era pela sua falta de responsabilidade. Não demorou muito, ao receber um não como resposta ao seu pedido de ir ao shopping com minhas primas adolequentes, retrucou:

- Mas mãe, eu tenho res-pon-pon-bilidade !!!

Por outro lado, na adolescência, a descoberta/utilização geralmente acontece catalizada por pedantismo. A hipocrisia ajuda os pseudo-revoltados a se justificarem, o quid pro quo a discutirem com os pais sobre seus direitos, a retórica para convencer seus amigos ou contestar tentativas deles e por aí em diante.

E foi assim que o Bush levou seu discurso, uma mistura perfeita. A inocência de uma criança e o pedantismo de um adolescente, proferindo palavras "recém-aprendidas" - abarrotado de retórica, hipocrisia e com um tom "wannabe-quidproquo".

Direitos Humanos isso, Liberdade aquilo, Paz isso e Desarmamento aquilo - e Democracia. Democracia em todas as pessoas do singular e plural. DEMOCRACIA TUDO !!!

Será que a DEMO-CRÁTIA, com suas gigantescas asas sustentadas por ossos de caô semi-perfeito da imprensa, vai dominar o mundo ?!?!?!

Ué, mas ele não é republicano...?

Pedro Meyer | 4:29 AM


sexta-feira, março 14, 2003  

Ao meu ver, temos quatro necessidades básicas: Alimentar(1), expelir fezes(2), dormir(3) e trepar(4). Todas são interessantíssimas e verdadeiramente prazerosas. Consideremos um tempo médio para cada uma delas:

(1) = 30 min. (cada refeição)
(2.1) = 15 min. (cagada)
(2.2) = 0.5 min. (mijada)
(3) = 8 hr. = 480 min.
(4) = 1 hr. = 60 min.

Se somarmos esse tempo médio utilizado para 3 refeições, uma cagada, 6 mijadas, uma trepada, uma boa dormida, temos:

3(1) + (2.1) + 8(2.2) + (4) + (3) = 90 + 15 + 3 + 60 + 480 = 648 = 10 horas e 48 minutos

Se pudermos ter essas doses diária de cada uma das quatro, podemos nos considerar impregnados de vida.

Tem-se então 13 horas e 12 minutos para outros afazeres. Com a invenção do interlúdio trabalho em detrimento da contemplação, e levando em conta a jornada de 8 horas mais frequente por esses lados, temos 5 horas e 12 minutos. Lembrando-se do elemento transporte, que pode tomar de 1 a 2 horas por dia (ou mais) dependendo do meio do indivíduo, tem-se mais ou menos 3 a 4 horas e 12 minutos por dia.

Pode-se usar esse pequeno pedaço de tempo para ver um filme, ler um pouco, cochilar, internet, beber “sem fins alimentícios”, ou para conseguir/garantir a tal dose de sexo do dia corrente e dias futuros.

Pedro Meyer | 2:10 AM


terça-feira, março 11, 2003  

FASTEN YOUR SEAT BELTS AND ENJOY THE THIRD WORLD OF FUN !

I

Na porta de um bar na Serra, o Sr. Malaco se aproxima com a mão direita estendida, segurando uma carteira de identidade e três passos mais tarde me entregando o documento. Não hesitei, peguei a representação burocrática do então Valdir Renato Maurício da Silva e olhei para seu rosto magro e negro como que aguardando instruções ou justificativas. Foram quase que imediatas:

- dá um trocado ?!

- Hã ???

- um trocado !!!

- tem não...

- DÁ !?!?

- NÃO TENHO ! Mas não entendi o esquema da identidade...

- Só um trocado !

- olha, eu não tenho...mas me explica a da identidade que te dou um cigarro...

- Como assim ???

- Por que voce me deu a sua identidade ?

- Ué, pra identificar a minha pessoa para a sua...


Justo. Estendo a mão devolvendo o documento e alcançando no meu bolso um cigarro para a figura.
Valdir Renato Maurício vai embora - identidade em uma mão e cigarro na outra.

II

Savassi, rua de trás do posto da Obra. Parei o carro, fomos até a porta e voltamos uns 10 minutos mais tarde.
O pequeno guardião teen de formas arredondadas e topete oxigenado erguido no cabelo araminho estava lá, cobertor como manto e apoiado com as duas mãos num cabo de vassoura como que num cajado. Buscando seu soldo:

- dá um trocado ?!

- não...fiquei só dez minutos, e pelos meus cálculos, é você quem me deve...

- daí ou...

- nem fudendo...

- ou...eu moro na rua !!! daí...

- olha o tanto de carro aí rapá, meu trocado nem vai te fazer falta !

- mas eu tô indo embora agora...

- pra onde ? pra rua ?


O moleque coça o topete e resolve mudar de assunto quando já estou dentro do carro:

- essa mulher é sua ?

- até onde sei, sim...

- nó, ela parece modelo...

- valeu...

- fala pra ela me procurar quando vocês terminarem !

- pode deixar, ela te liga...

- fala pra ela que eu amo ela !!!

- aí não ! aí você leva...

- levo o que ?

- aí que mora o perigo... vai pagar pra ver ?

- nem...antes eu tava pedindo, agora vou pagar !?


III

Tarde de domingo, espero no carro por um casal amigo, estacionado em uma ruazinha do Luxemburgo. Um imundo mala de beiças inchadas e dentes podres se aproxima:

- xalablá blábleuf ?

- quê ?

- labláf ?

- o quê ?? não tô entendendo bulhufas !

- xôlává !?

- o carro ???

- é...(+ resmungos)

- ô amigão...não me leva a mal não mas você não consegue nem se lavar, vai lavar o carro ???


Ele resmunga mais um pouco, mais um tanto, mais alto, aproxima as sombrancelha apertando e franzindo a testa. Dá um passo a frente, entorta a cabeça e olha para dentro do carro. Desentorta, respira fundo, olha nos meus olhos e, surpreso, exclama em alto tom de voz:

- DUZENTOS QUILÔMETROS !!!

- ???

- DUZENTOS QUILÔMETROS !!!

- o que tem duzentos quilômetros ?

- DUZENTOS !!!


Conferi o painel do carro, o hodômetro é digital e estava apagado. Carro popular só tem, além do hodômetro, indicadores de temperatura, gasolina e velocidade. Conclui sem muito trabalho do que ele estava falando.

- ah tá... a velocidade máxima...

- é...MÁXIMA ! Duzentos quilômetros ! Antes era só Alfa Romeu...depois, depois veio a bê-ême-dábliu. Aí fudeu, mercedes e tal e fudeu...

- é...


Ele toma fôlego, desiste do papo da velocidade e finalmente pede, apontando para o cigarro na minha mão:

- num tem um irmãozinho desse não ?

- foi mal, filho único.

- dá um traguinho então...

- não rola...você sabe como é, filho único é sempre mimado...

- RÁ !!!


Ele então caminha pra longe, resmungando e chutando pedrinhas no caminho.

Ilação

De Marx à Chauí, materialismo histórico pra puta que parí ! Ilha de riqueza o caralho ! Pobreza como paisagem, mendigos-árvore e outros pedintes-canteiro também !

O que temos não é essa simples paisagem, mas um grandioso parque temático metropolitano altamente interativo. Roda-gigante, casa dos espelhos, swing. Ora Kamikaze e Splash, ora bate-bate e trem fantasma. Muitas vezes trem fantasma. Do parquinho na areia com brinquedinhos gratuitos até moderníssimas montanhas-russas com loopings e etc e tal te embebendo de doses homéricas de adrenalina - mas também cobrando caro por estas doses. Um parque completo, com acidentes e mortos e feridos (sempre em maior número que os presuntos). E se você não quer brincar, não tem problema - o parque quer.



Pedro Meyer | 2:02 AM


sábado, março 08, 2003  

The Lou Issue

Que música é uma potencial caixinha de memórias já sabemos. Alguns acordes podem facilmente te levar de volta a lugares nos quais já esteve, te trazer cheiros e gostos e até pesadelos. Principalmente pesadelos.

Meu problema com Velvet e Lou é (ou era) esse. O mais filho da puta de todos padrastos que tive era alucinado com nosso querido Mr. Reed.

- padrasto, me empresta o Coney Island ???

- claro, se voce sujar o encarte eu te arrebento...


Eu escutava, com todo cuidado, sabendo do esporro que levaria depois. Os esporros cresceram e viraram paranóias - adolescentes e naturalmente cruéis, como qualquer paranóia que se preze.

O Padrasto foi embora. Em aproximadamente seis meses a voz do Sr. Reed virou a voz do padrasto. A trilha sonora dos berros dele entrelaçados com os da minha mãe e o estrondo de objetos quebrando e tapas estourando.

Evitei de todos os modos possíveis qualquer gotinha das várias músicas do senhor pingando no meu ouvido, atravessando meus tímpanos.

Oito anos depois tenho a Laura e seu adorado cd banana.

E quatro anos mais se passam.

Finalmente, consigo mais uma vez tragar intensamente as notas e as palavras.

Imaginar que algum dia a issue será resolvida é o mesmo que acreditar na tão falada paz na palestina.
Mas como diriam os teóricos da paz pela boca do polêmico professor, o esquema não é erradicar conflitos, mas aprender a conviver(lidar?) com eles.

Pedro Meyer | 9:44 PM
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